Djamila Ribeiro

Na Flip, professora Djamila Ribeiro disseca o racismo religioso e aponta caminhos para a luta: “Falta muito, mas falta menos”

Redação

2 de agosto de 2025

A participação da professora Djamila Ribeiro na Casa Folha, no último dia 31, durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), foi aberta com uma provocação que deu o tom do debate: a censura, no ano passado, ao seu livro Cartas para minha avó, em uma plataforma do governo de São Paulo destinada a professores. O motivo, revelado à mediadora Anna Virgínia Balloussier por uma fonte, foi o incômodo com as referências às religiões afro-brasileiras. O episódio serviu como ponto de partida para a filósofa brasileira analisar a persistência do racismo religioso no Brasil.

Ainda que a Constituição de 1988 garanta a liberdade de crença, Djamila lembrou que a perseguição continua. Ela aponta uma dualidade constante na história brasileira. “Como Gilberto Gil fala, o mundo piora e melhora ao mesmo tempo. Não existe uma coisa linear”, afirmou, ressaltando que mesmo a época da escravidão foi marcada rebeliões, quilombos, resistência”.

Um dos pontos altos de sua análise foi a crítica ao que chamou de “embranquecimento” de práticas religiosas de matriz africana. Ao abordar a presença de pessoas brancas nos terreiros, Djamila explicou que o problema surge quando se tenta alterar os fundamentos. Ela citou como exemplo terreiros que se autodeclaram praticantes de uma “Umbanda branca, Umbanda limpa”, posicionando-se como superiores por não realizarem sacrifícios de animais. O risco, assinalou a professora, é “querer esvaziar de sentido essas religiões e desvinculá-las da sua relação com a comunidade”.

Esse afastamento das raízes deixa um vácuo social nas periferias, que acaba sendo ocupado pelas igrejas neopentecostais. A professora Djamila, no entanto, alertou contra uma visão simplista sobre o fenômeno. “A gente trata essas mulheres todas como se fossem umas ignorantes que estão indo contra si mesmas”, criticou, defendendo que é preciso compreender a complexidade do acolhimento que essas igrejas oferecem. “As pessoas precisam aprender a falar com em vez de falar para, e entender toda essa complexidade”.

A discussão ganhou contornos pessoais quando Djamila compartilhou sua trajetória, afirmando de forma categórica: “o racismo religioso me afastou da religião”. Iniciada no Candomblé aos 8 anos, ela recordou a violência que sofria na escola, onde, certa vez, teve seu turbante arrancado por um colega. Essa experiência a expulsou de sua própria fé, levando-a a uma busca que só a traria de volta ao Candomblé aos 33 anos.

Como ex-professora da rede pública, Djamila falou dos desafios para implementar a Lei 10.639/2003. Ela relatou que o maior obstáculo é o preconceito de muitas professoras que, ao se depararem com temas como a capoeira, reagem dizendo: “não, mas isso daí é coisa do demônio”.

Diante de um cenário de luta constante, a estratégia, para ela, passa pelo autocuidado e pela sabedoria ancestral. Usando a capoeira como metáfora, a professora Djamila destacou a importância de saber a hora de atacar e a hora de gingar. Ela relembrou um conselho que recebeu de militantes mais velhas, que a alertaram sobre a necessidade de se preservar. Em uma ocasião, ao desabafar sobre o quanto ainda faltava a ser feito, ouviu uma lição que carrega até hoje: “Falta muito, mas falta menos porque vocês estão fazendo”.

No encerramento, Djamila mostrou como o Candomblé se tornou, para ela, uma filosofia de vida libertadora. Ao refletir sobre maternidade, destacou que os arquétipos das orixás rompem com a lógica da culpa feminina. “Você tem Nanã que decidiu não maternar. […] Então, uma mulher que não quer maternar no candomblé tem uma orixá para rear suas oferendas”. Para Djamila, essa é a essência de uma visão de mundo que supera a dualidade excludente do pensamento ocidental. “A perspectiva do ‘ou’ é muito violenta. ‘Ou’ você é uma coisa ‘ou’ outra. No candomblé, temos a perspectiva do ‘e’, que vem a partir de Exu. É uma coisa ‘e’ outra”, concluiu.

A presença da professora Djamila em Paraty foi um chamado à articulação comunitária contra séculos de exclusão e à valorização das tradições ancestrais como base para um futuro mais justo.

FOTO: Mathilde Missioneiro/Folhapress

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