“Pai, estou aqui”: em um mês de MIT, Djamila Ribeiro reflete sobre legado antirracista e a força da memória
A memória é um território de afeto, mas também um campo de batalha político. Para Djamila Ribeiro, o dia 25 de outubro une essas duas dimensões de forma marcante. A data, que, este ano, marcou um mês de sua jornada como professora convidada no prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, coincide com o dia em que seu pai, “Seu Joaquim”, completaria 76 anos. Em um post carregado de emoção, a escritora e professora Djamila revisitou as sementes que ele plantou, lá atrás, e que hoje florescem em um dos mais importantes centros acadêmicos do mundo.
“Pai, apesar de todas as batalhas e dores, estou aqui”, escreveu. A frase resume a confluência de uma conquista individual com uma herança coletiva e familiar. Joaquim, estivador no Porto de Santos, partiu cedo, aos 52 anos, mas deixou um legado construído na luta diária e na consciência de que a educação era a principal ferramenta de emancipação para seus filhos em um país estruturalmente racista: “eu me mato de carregar saca de açúcar nas costas para que meus filhos possam estudar”, lembra Djamila, destacando a filosofia clara e direta do pai, forjada no trabalho braçal e na militância, pois essa visão não era apenas um desejo, mas um projeto político.
Em um tempo onde a distinção de gênero ainda ditava os rumos da educação familiar, Seu Joaquim foi categórico ao oferecer as mesmas oportunidades para filhos e filhas. A base que Djamila adquiriu foi construída ali:
“Pagou 7 anos de curso de inglês, dos meus 10 aos 17 anos. Sem essa base, eu não conseguiria estar aqui hoje lecionando nesse idioma. em sete anos de curso de inglês pagos com o suor de um operário que enxergava o futuro. O mesmo vale para as aulas de xadrez, um gesto que afirmava o direito à cultura e ao desenvolvimento intelectual para além do que a sociedade reservava para crianças negras”, lembra a filósofa.
As lições mais profundas, no entanto, vinham em forma de sentenças que se tornaram bússolas para a vida: “Esse país é racista, vocês precisam estudar!” e “Não quero minhas filhas dependendo de homem, estudem e trabalhem!”. Frases ouvidas repetidamente na infância, e que ecoam hoje nos conceitos que Djamila popularizou em obras como O que é Lugar de Fala? e Pequeno Manual Antirracista.
O pai, ativista do movimento negro e sindicalista, ensinou na prática o que a filha teorizaria anos depois: que a consciência racial é indissociável da luta por autonomia e que a emancipação passa, necessariamente, pelo conhecimento e pela independência.
A presença de Djamila no MIT, portanto, transcende a realização pessoal. Ela representa a materialização de um projeto antirracista intergeracional. É a resposta de uma filha a um pai que, apesar de suas próprias contradições, soube ser presente e visionário. Ao celebrar sua memória, a filósofa não apenas honra o passado: o reafirma como força que move o presente. E como ela própria diz, em seu post:
“Sigo aqui celebrando sua memória, cortando o que precisa sair de nossa linhagem e honrando o que precisa ficar.
O que fica é a certeza de que a ocupação de espaços de poder e saber por corpos negros não é um acaso, mas o resultado de batalhas travadas muito antes, nos portos, nos sindicatos, na vida.
“Nós estamos aqui”, finaliza Djamila, sublinhando sua trajetória como um ato coletivo. Seu Joaquim, de algum modo, sempre soube. E sua visão de mundo, semeada em Santos, hoje reverbera nas salas de aula de Cambridge, provando que a memória ancestral é, e sempre será, um projeto de futuro.
Ver essa foto no Instagram
Artigos Relacionados
28 de outubro de 2025
Djamila Ribeiro assina texto de apresentação da mostra “O Poder de Minhas Mãos”, que celebra no Sesc Pompeia a Temporada França-Brasil 2025
22 de outubro de 2025
Djamila Ribeiro celebra um ano do lançamento de “Where We Stand”
21 de outubro de 2025
Djamila Ribeiro lança em Portugal o inédito ‘Travessias’
